Neste texto,vamos visitar um conceito comumente usado como categoria para definir a qualidade de trabalhos de tradução/interpretação: a "fidelidade". Para tanto, vamos nos valer de(i) as discussões de cunho mais filosófico da pesquisadora brasileira Rosemary Arrojo (1996), que a partir do final da década de 80, problematizou, de forma rigoroza e marcante, o conceito de fidelidade, e (ii) um experimento realizado pelo pesquisador canadense, Daniel Gile (1995), que propôs um conjunto de conceitos e modelos básicos para formação de tradutores e intérpretes. Em seu Capítulo 4 - A questão da fidelidade - Arrojo (ibid.) discute os principais problemas teóricos que envolvem a pergunta:"a que devemos ser 'fiéis' quando realizamos uma tradução?" A pesquisadora questiona a possibilidade de uma tradução ser inteiramente fiel ao texto 'original', propondo uma redefinção do conceito. Em seu Capítulo 3 - Fidelity in Interpreting and Translation [Fidelidade em Interpretação e Tradução] - Gile (ibid.), propõe uma abordagem empírica à questão da fidelidade, resultado de seu trabalho com alunos de curso de tradução e interpretação, no contexto alemão.
No verbete do Dictionary of Translation Studies (ibid.), os autores afirmam que, em discussões de conho mais tradicional, o conceito de fidelidade provavelmente tem sido a medida mais usada para ser falar de qualidade de tradução/interpretação. Você mesmo já deve ter se visto em situações em que comentou sobre alguma tradução, ou alguma legenda de filme, dizendo: "Esta tradução é melhor do que outras porque é mais fiel..." Se isso aconteceu com você, você não está sozinho: tradicionalmente, a fidelidade tem sido invocada para marcar aderência literal ao texto de partida, o que tem sido considerado como valor positivo. Entretanto, o que tipicamente acontece é que os usuários do termo 'fidelidad' não se preocupam em defini-lo, o que vem por conferir uma qualidade generalista e, sobretudo, vaga a qualquer avaliação nele baseada: o conceito é, geralmente, associado a apenas um dos aspectos da tradução, qua seja, sua relação com um texto de partida.
Para fins do trabalho, vamos nos valer de duas abordagens à questão da fidelidade: (i) a primeira, de cunho conceitual, faz uma discussão 'filosófica' do conceito com ancoragem no pensamento da teórica brasileira, Rosemary Arrojo, sobretudo a a patir de um livro da "Série Princípios25", publicado em 1986, cujo Capítulo 4 trata, especificamente, da questão da fidelidade; (ii) a segunda abordagem, de cunho mais empírico, buscará replicar um experimento feito pelo teórico canadense, Daniel Gile, relatado no livro Baic Consepts and Models for Interpreter and Translator Training26, publicado em 1995, no qual o autor propõe um conjunto de conceitos e modelos básicos para a formação de tradutores e intérpretes, levando em conta o contexto em que comunicação onde a tradução/interpretação ocorre.
Vamos iniciar, então, com o pensamento de Arrojo (ibid.). Essa teórica discute o processo de construção de significado, mostrando que uma palavras não tem um sentido fixo e único, imediatamente dicifrável por qualquer indivíduo. Assim, não existe uma linguagem capaz de neutralizar as ambiguidades, os duplos sentidos, as variações de interpretação, as mudanças trazidas pelo tempo ou pelo contexto (p. 17).
Ao trazer essa discussão para a tradução, Arrojo (ibid.) questiona o conceito de fidelidade enquanto transferência total dos significados de um texto em uma língua, para outro texto em outra língua, argumentando que nenhuma tradução é capaz de recuperar a totaliade do 'original', já que revela, inevitavelmente, uma leitura, uma interpretação desse texto e não o 'transporte' de seu conteúdo para uma nova língua.
"(...) o que acontece não é uma trasnferência total de significado, porque o próprio significado do 'original' não é fixo ou estável e depende do contexto em que ocorre" (p.23).
Então, como fica a questão da fidelidade? A que devemos ser 'fiéis' quando realizamos uma tradução?".
A discussão 'filosófica' do conceito de fidelidade apoiada no pensamento de Arrojo (ibid.) serviu de base teórica para começarmos a problematizar uma noção que parecia óbvia e simples, antes de começarmos esta unidade. Como surerimos, o conceito é complexo e, merece nossa atenção. Aubert29 (1989,p. 116)nos lembra que "(...) o compromisso de fidelidade não se define tão somente as expectativas, necessidades e/ou possibilidades dos recptores finais. Ou, mais apropriamente, com imagem que tal tradutor faz de tais expectativas, necessidades e possibilidades". Observe que também Aubert (ibid.), como Arrojo (ibid.), nos aponta que, construímos imagens da realidade - no caso da citação, representamos aquilo que imaginamos que sejam as expectativas, necessidades e possibilidades do público-alvo de nossa tradução e produzimos um texto que busque atender a esse novo contexto. Mas, atender como? Até onde podemos ir às intervenções feitas durante a construção do texto de chegada?
Passemos, então, à abordagem de conho mais empírico, para replicar o experimento realizado por Gile (1995). O autor abre o capítulo comentando que a 'fidelidade' é o conceito mais invocado para avaliar traduções e mostra que o problema mais óbvio com essa atitude está no fato de as línguas não serem isomórficas, ou seja, não existe correpondência par-a-par entre os seus elementos constitutivos. Além desse problema, existe a questão da inevitável intervenção do tradutor/intérprete, como consequência de seu contexto histórico-sócio-temporal. Entretanto, conforme menciona Gile (ibid., p. 49-50), os alunos encontram dificuldade em aceitar a ideia de que mudar uma construção ou adicionar ou apagar palavras durante a tradução não significa uma quebra de fidelidade. Chegam à universidade com a ideia congelada de fidelidade como correspondência um-a-um. A consequência é que tendem a ser conservadores em seu processo de tomada de decisão ao traduzir/interpretar.
Aula 4 do curso no CAS (Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez).
Bibliografia
Estudos da Tradução - Letras Libras
Experiência pessoal: no ano passado em sala do curso noturno EJA, eu fazia meu trabalho como intérprete quando uma furiosa professora de educação física pediu que eu falasse para o aluno que ele não tinha entregue o trabalho exigido por ela, e que sua chance de entregar tinha sido a última. Ele afirmava que sim, tinha lhe entregue o trabalho dentro da data. Ela dizia que ele era mentiroso que usava a surdez como desculpa que todos na sala de aula eram trabalhadores e cumpriam com seus trabalhos em dia, e que ele era o único que não o fazia; ele desesperado dizia que tinha entregue. 'Eu traduzindo tudo indignada com o preconceito dela'. Então ele pediu para falarmos com a professora de recursos e o fizemos o que não resultou muito porque uma: ela não tinha experiência como tal, e outra não sabia libras. A outra professora estava esbravejando e tom alto que ele era preguiçoso e todos os alunos estavam ouvindo, claro! Dias depois ela encontrou o trabalho em seus materiais e em voz baixa pediu que eu lhe dissesse. Não lhe pediu desculpas em público e nem mesmo pra ele. 'Eu fiquei pensando! Esse negócio de traduzir e não interferir é tão difícil, o que eu posso dizer sou novata, trabalho por contrato, e essa professora é uma estúpida preconceituosa que ninguém aqui nessa escola tem coragem de enfrentar'. Então eu pergunto o que vocês acham disso tudo foi bullying, preconceito ou falta de ética da professora? E minha atitude foi certa ou covarde?
Elivânia Damas 2011.